sábado, 22 de março de 2014

Medicina: as dificuldades do exercício atual

Ao longo da história da Humanidade, mormente em seus primórdios, o médico foi e é visto e respeitado como instância de apoio essencial para qualquer cidadão. Desde os antigos Essênios, que eram tidos como os médicos de então, com suas vestes brancas (tipo túnicas) eram os curadores sem qualquer  remuneração a ponto de andarem descalços, quando não de sandálias, num reflexo do poder de posse reduzido.
Ciência tão antiga, porém, muito “jovem” se se atentar para o fato que o recurso cirúrgico de sua atividade avançou há 150 anos, deixando para trás a cirurgia rudimentar (por conta da técnica anestésica), apesar de rica na criação de instrumentos datados do século XVIII e XIX, sendo muitos deles usados até hoje.
Claro que essa atribuição de jovem é porque o caminhar de uma ciência é muito lento, podendo ser figurado como 10 anos de evolução correspondendo a 1 hora de cada dia. Então, 150 anos é, de fato, um período curto por essa interpretação.
O grande salto de avanço, veio com a descoberta do antibiótico, pelo escocês Fleming, em 1923, e a moderna anestesiologia dando oportunidade a que a primeira cirurgia cardíaca, tipo tetralogia de Fallot, somente viesse acontecer na década de 1940, por Alfred Blalock e seu assistente Vivien Thomas, em Baltimore. Vale a pena assistir ao filme, “Quase deuses” que conta a história desses 2 personagens da história da cirurgia cardíaca.
Daí a nossos dias, o fantástico avanço da técnica cirúrgica, armada com novas ferramentas e sua aplicação amplamente alargada em todos os campos do organismo humano.
Em meio a tudo isso, o marcado e marcante respeito ao profissional médico veio durando até o final do século passado e hoje vai se tornando um motivo de preocupação para aqueles que a exercem com vocação, conhecimento técnico, postura ética e responsabilidade.
É respeitado sim, o profissional médico. Apesar de se ter consciência de que a qualidade da formação vir caindo nas últimas décadas, por razões que valem uma crônica separada, a qual não fugiremos de publicar.
 Temos falado e escrito que pesquisa do IBOPE, em 2005, publicada na revista Carta Capital, de São Paulo que coloca o médico como detentor de 82 % de credibilidade quando comparado com outras 15 instituições (religiosas, classistas, governamentais, políticas, etc.). O médico foi o mais aprovado, tendo a Igreja Católica como 2o, (72 %) colocada. Ouvidas mais de 2.000 pessoas em todo o país.
Agora vem o lado triste da história. O incomum registro de atitudes negativas de pessoas parentes, comadres, compadres, amigos das pessoas assistidas que, aliás, são as que menos trabalho acarretam, além do atendimento médico.
Como tem sido difícil fazer entender que os resultados não são milagrosos e, nem sempre, aqueles que todos desejam. Chegam a levar a atitudes grosseiras, rudes, atrevidas, com palpites ridículos, sem base de conhecimento no decorrer dos tratamentos.
Aliás, falando em base de conhecimento, as pessoas se transformam em doutores em medicina, quando abordam uma moderna ferramenta internáutica, extremamente interessante, mas que se torna muito perigosa. É o caso do chamado “Doutor Google”.
O cidadão consulta dados de doenças, procedimentos, condutas médicas, cirúrgicas e instantaneamente se colocam na posição de estar enxergando aquilo que os médicos titulares dos casos não estariam enxergando. E interessante: quanto mais ignorante a pessoa mais “entendida” se torna ao “examinar” esse ou aquele caso.
Ora, um médico bem formado, tecnicamente, demora 6 anos para graduar-se e no mínimo mais 4 para adquirir o definitivo preparo para o mercado de trabalho. Agora: o pobre cidadão que se posta entendedor (via google) chega ao cúmulo de provocar escândalos e, às vezes verdadeiras baixarias, em ambientes hospitalares, nos quais o centro obstétrico é dos mais visados.
Essa é uma das razões pelas quais os contratos de médicos se tornam cada vez mais caros: porque somada à responsabilidade que os costuma naturalmente consumir, há agora uma pressão desnecessária, ignorante e acintosa em casos de se (até) chamar a polícia militar para forçar uma conduta extremamente técnica, como é a de natureza médico/cirúrgica. Nenhum profissional decide sem autonomia, independência e respeito ou pelo menos disso não gosta.
Tudo se afunila num processo de, cada vez mais, ver dificultada a oferta desse essencial serviço, que a par de estar sendo aviltado por visões equivocadas de políticas públicas, ganha mais esse enfoque que ameaça o respeito tradicional, milenar até, dessa profissão tão importante, mercê de comportamentos sociais inadequados.
Temos a devida e indisfarçável consciência de que degradou também o nível de vocação, formação, dedicação e senso humanitário do médico de nossos dias.
Há a necessária providência do usuário/paciente escolher bem e fugir daquele visto como “mau profissional” que existe, sim. Às vezes até com boa formação técnica, porém, com vícios que nossas faculdades não conseguem vigiar até a entrega do diploma. Vão desde mercadores de produtos mirabolantes até ao abuso de indicações médico/cirúrgicas desnecessárias  com o fito primordial (desses) do lucro ilícito. E chegam a ficar famosos por conta da capacidade de envolver.
Felizmente, é uma minoria que não pode comprometer a importância da grande maioria. Se no passado, podia o cidadão se entregar na mais absoluta confiança, hoje é preciso estar atento. Porém, repito, é uma minoria que merece ser marginalizada.
Concluindo, é preciso alertar para que não se tome essa conscientização crítica (até ousada) como pretexto para que continuem ocorrer atitudes de pacientes (e relacionados) não condizentes com a necessária serenidade nos momentos das decisões profissionais.
É como entendemos. É uma preocupante realidade.

Dr. Fauze Jose Daher

Diretor Clínico da Santa Casa de Barretos
Mestre em Ciências – EPM (UNIFESP)

Acadêmico de Direito  (UNIFEB)

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