Quem lê um trabalho científico, especialmente em Medicina, por mais rebuscado que seja o modelo da pesquisa, vai observar que, ao final do relato, os autores afirmam, invariavelmente, em todos os artigos, a seguinte expressão: “Contudo, apesar das conclusões darem forte probabilidade de que o fenômeno estudado exista, são necessários mais estudos para que se confirme essa conclusão encontrada.”
Isso é postura geral, da totalidade de pesquisadores sérios e competentes, dentro de uma Ciência eivada de possíveis viéses e fatores confundidores que podem interferir nos resultados e paradigmas. E a Medicina é uma destas, composta de diversas outras ciências, a maioria sem caráter de exatidão.
Em qualquer modelo científico, inclusive o “já” recém famoso Ensaio Clínico Randomizado duplo cego, há o sério cuidado da previsão de possível dúvida ao final de uma “aparente cristalina” conclusão.
Agora, o que é assustador entre nós brasileiros?
As frequentes, quase diárias, aparições de debates jornalísticos em que, jornalistas da pior qualidade de formação profissional, hoje, em nosso Brasil, têm a “caradura” de se referirem às notícias científicas dando conclusão taxativa e indiscutível dos resultados. Vale dizer que o tamanho da coragem é proporcional ao grau de ignorância e de atrevimento.
Vamos aos exemplos. Dizem: “já está provado que tais medicações não funcionam no propósito de tratar, prevenir determinada doença”. A desfaçatez é tão grande que conseguem dizer, sem esconder as feições, dando um sentido que têm a maior segurança sobre o que estão afirmando. Se usa dizer em Medicina que, como no amor, inexistem as palavras “sempre e nunca”.
Chama atenção a insistência em vocalizar essas, que são, aí sim, falsas notícias científicas, propagadas por gente que está avacalhando a rica profissão jornalística do passado.
Na mesma esteira de aberrações, a massacrar a nobre missão da pesquisa médica, vêm juristas e julgadores, desde baixa a altíssima patente, exarando sentenças e medidas judiciais tomando como base tais tipos de conclusões colocando-as de forma taxativa e definitivas” em verdadeiro atrevimento ao invadir áreas sagradas da missão de cuidar e salvar vidas e, ao invés de dirimir dúvidas e conflitos sociais (no seu papel), acabam por gerá-los prejudicialmente.
Aí, aparece meia dúzia de senadores, numa ridícula peça teatral que foi a CPI de COVID19, pateticamente tratando do assunto COVID19, com as colocações de que “já está provado que tais medicações não tratam nem previnem a doença do momento”. Ou “já está provado que tais vacinas realmente protegem com segurança”, dando previsões que nem a Ciência e nem o produtor farmacêutico claramente podem ainda garantir.
Ficou chocante três desses patetas terem como profissão de origem, a Medicina. Usando do tema de forma totalmente ideologizada, partidarizada, e cinicamente discursadas com o objetivo de confundir, senão, enganar a opinião do povo, visto aí como mero eleitorado. Além da ignorância do conhecimento básico de Medicina desrespeitaram a presença de figuras médicas da maior respeitabilidade. Valerem-se da condição de médicos para se elegerem e “esqueceram” os preceitos éticos exigidos ao longo de toda a carreira.
Outra situação que incomoda, é assistir opiniões de biólogos, biomédicos, farmacêuticos, etc, “corajosamente” mergulharem num tema que é do absoluto trabalho de cuidar do paciente “á beira do leito”.
Não há a menor possibilidade de um “pesquisador de bancada” auferir uma correlação de efeitos medicamentosos na reação clínica do paciente, sem acompanhá-lo no decorrer do tratamento. Certamente esse tipo de pesquisador, de alto nível, não se presta a opinar sem vivenciar as situações.
Chegarem a serem contratados por rede internacional de TV, como uma recém chegada ao Brasil, montando uma mesa de debates com dois médicos especialistas e uma biomédica, com postura totalmente afetada de militância política, enfrentando figuras forjadas na pesquisa e no exercício pleno da medicina e cuidadores de pacientes, repito, à “beira do leito”.
E falando “besteiras clínicas” constrangedoras, na presença dos médicos, que tiveram a paciência de manter a linha de respeito ao público, sem deixar de externar decepções, diante de colocações que visam enganar a opinião pública.
Uma classe da qual poder-se-ia reclamar, e não é certo nem oportuno, é a divisão de opiniões entre médicos em relação ao que está sendo debatido. E o que explica isso, é exatamente porque não sendo as conclusões definitivas nem taxativas, ficam abertas a impressões, às vezes diferentes, mas porque o feeling de cada um pode divergir, dentro da mesma linha de trabalho.
Nós médicos nos conduzimos de acordo com o que é possível ou provável, diante do que a Ciência séria demonstra e, principalmente, com base na experiência clínica, do dia a dia, oferecida pelos pacientes efetivamente cuidados e tratados por cada um profissional MÉDICO.
Daí decorrem os outros modelos de pesquisa, chamados de Observacionais, que secularmente foram fontes de conclusões mais acertadas, pelo seu enorme volume de trabalhos realizados, com descobertas importantes na história da Medicina.
Detalhe importante: o número de trabalhos observacionais é muito maior, mais fáceis de serem realizados, maiores fornecedores de conhecimentos medicinais e seguros quanto a exposição que faz dos sujeitos da pesquisa (os pacientes) que lhes são confiados.
O tipo mais refinado, não observacional (é modelo experimental) o Ensaio Clínico Randomizado, realmente é o de qualidade maior, sempre caríssimos, nem sempre garantindo segurança ao pesquisado, daí dando menor possibilidade de serem elaborados, embora possam melhor eliminar os vieses nos resultados.
Quem não entende nada do assunto, cobra a preferência por esse tipo de estudo a ser feito, porém, sem saber das limitações para sua execução. Bonito em tese podendo ser impossível na prática.
Característica interessante: o meio médico, maior autorizado e competente para o assunto, demonstra paciência, discrição, serenidade e resultados defronte ao ufanismo mal intencionado desses ativistas inconsequentes.
Em resumo: fique de olho nas conclusões e publicações de médicos práticos, de boa formação e fuja de áreas atrevidas a invadir essa temática com discurso taxativo e nada tendo com a ver com a prática da Medicina, a qual oferece a chance do modelo observacional de estudos.
Para se pensar na poltrona de meditação e “observar” na sala de TV.
Dr Fauze José Daher
Gastrocirurgião - Mestre em Ciências (UNIFESP)
Ex Diretor Clínico da Santa Casa de Barretos
Advogado
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