terça-feira, 25 de agosto de 2020

Conflito de interesses: da prática (historicamente reservada) ao absurdo de nossos dias

            A natureza humana é dotada de vícios conhecidos que desafiam cada cidadão a formatar 

sua característica pessoal usando caminhos virtuosos variados e disponíveis ao longo de sua 

existência.

Entre virtudes e vícios (defeitos) merece uma análise especial o interesse (senso escuso) que hoje em dia é colocado nos objetivos de alguns, de cada agrupamento de pessoas e até de nações, ultrapassando limites que deveriam ser respeitados.

Discorrer sobre essa temática, valeria um tratado, um livro ou um seminário de vários dias. Nesse episódio de pandemia, ficaram evidentes (e tem ficado), de forma assustadora, conflitos de interesse que jamais poder-se-iam imaginar terem emergidos.

No campo político, vamos dispensar as críticas sobre horrendas posturas de setores do Estado, que é dotado de um, especialmente criada para gerir o equilíbrio da Sociedade e que em dias atuais, revela uma podridão de atitudes, atos, decisões com o peso do poder instituído. Claramente desdenha-se a gravidade do que sejam CONFLITOS DE INTERESSE gritantes em favores próprios ou grupais.

No campo de atuação em que milito, a Medicina, chega a ser repugnante o nível atingido desses conflitos, fazendo com que revistas científicas, sociedades médicas de especialidade, profissionais da saúde, centros renomados de atendimento hospitalar que colocam esses interesses conflitantes, como que a “vender” a dignidade de uma profissão sagrada, hoje louvada no mundo inteiro e colocada, em pesquisa, como a mais acreditada pela Sociedade brasileira, onde foi medido recentemente. 

A pandemia do COVID-19 nos permitiu assistir, com tristeza, a evidente “compra”, por indústrias farmacêuticas, de periódicos científicos, que tiveram o desplante de publicar notícias sobre a doença e, por causa do vexame, imediatamente recolher tais publicações.

Assistimos desde laboratórios farmacêuticos aliciar opiniões técnicas sobre a doença, passando por instituições hospitalares renomadas, até sociedades médicas de especialidade com escancarados detalhes que evidenciam vínculo a determinado medicamento, contra outras medicações concorrentes, a despeito de prejudicar a saúde de volumosos gradientes populacionais. Uma frieza assustadora...

Até 15 ou 20 anos atrás, tecnicamente, ao pesquisador, redigindo um artigo científico, não era praxe cobrar informação, no arremate do texto, se havia algum conflito de interesse. Existia uma consciência ética, profissional e científica, de não ser necessária essa informação sobre conflito de interesse. 

Pelo gabarito dos conselhos de redação dos periódicos científicos, doravante, passou-se a exigir isso do pesquisador, como forma de cobrar seriedade das novas gerações de pesquisadores, que passaram a merecer certa vigilância ou fiscalização, no propósito de preservar a fidelidade à Ciência.

O que temos assistido hoje? 

Num lance só, um periódico científico inglês, aceita notícia de um ensaio clínico randomizado, sobre eficácia de um esquema de medicamentos, concluindo pela ineficácia do mesmo. Com um elenco de impropriedades de metodologia científica que chegam a assustar.

No assunto de COVID-19, foram analisados menos que 700 casos, brasileiros, num curto período da pandemia no Brasil, de março a junho. 16 entidades hospitalares privadas participaram, todas brasileiras, sem incluir hospitais nem universidades públicas no estudo. Isso significa que, em média, 40 pacientes foram estudados, sendo metade compondo o grupo testado e a outra o controle. 

Chama atenção um trial conduzido em 4 meses, com casuística exígua, diante de milhões de casos acontecendo no mundo inteiro. Há aí, muita justificativa a ser prestada perante as regras de estatística e da metodologia usada, que foi um ensaio clínico randomizado.

O estudo tem conclusão taxativa de que o esquema estudado (que, contrariamente, dá pistas, no método observacional, de estar sendo um sucesso na redução de agravamento e de mortalidade) não apresenta diferença de resultados entre seu uso e o da prática considerada “standard”.

A pergunta que não se pode calar é simples: e se o estudo mostrasse que a mortalidade do “protocolo padrão” fosse significativamente maior do que a do “braço” usando o esquema testado, qual seria a justificativa ética a ser dada aos parentes dos sujeitos da pesquisa, que tivessem um desfecho fatal? 

Seria lícito, técnico ou cientificamente apropriado basear-se em um modelo que costuma levar dois anos para ser executado, pelo rigor do controle de vieses e fatores confundidores, ser concluído em 4 meses? Mais ainda: com casuística de pouco mais de 500 pacientes levados a estudo em meio a uma pandemia mundial? Será que isso dá segurança e significância estatística?

Tais questões levam a se pensar que já estaria sendo necessário um controle externo dos periódicos científicos... O que se imagina chocante pela pureza, isenção, honestidade e virtudes que deveriam prevalecer, antes que matreirices viciosas como a que se evidência no mundo atual.

Como piada, poder-se-ia se dizer que brasileiros criaram algo para inglês ver (e publicar), num claro desserviço à milenar e tão respeitada Ciência. 

A gravidade maior da questão do conflito de interesses, depois de atingir ambições políticas em temas sagrados (saúde), anseios por futuras e longínquas metas eleitorais de alguns prefeitos e governadores, assusta a comunidade sanitária mundial por chegar às portas da Organização Mundial de Saúde, onde se aninha a combinação de dois tipos estranhos: interesse econômico pelo uso de medicações e posturas ideológicas que, aliás, são indesejadas pela maioria dos habitantes do globo.

Posso estar equivocado. 

Como gostaria de estar. 

Mas não é o que parece.

 

Dr Fauze José Daher – CREMESP – 20.810

Gastro Cirurgião da Santa Casa de Barretos

Mestre em Ciências

Advogado

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário