quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Os problemas hospitalares, a segurança do cidadão e o futuro da autonomia do médico

           Dos princípios da bioética, como ferramenta essencial no atendimento médico ao cidadão, atualmente ganha importância um de seus pilares, que é o princípio da autonomiaSeja de sua visão para o lado da atuação do profissional de saúde (nas decisões de conduta) seja pelo lado do paciente, enquanto cidadão que busca, cada vez mais, opinar naquilo que lhe é melhor se submeter.
            Os outros 2 pilares, que são: nosso dever de fazer a beneficência/evitar a maleficência e a aplicação do princípio de Justiça, estão mais sedimentados, ao empregarmos nosso ofício, comparativamente com a prática do gerenciamento das autonomias tão buscadas.
            Sabe-se que a autonomia está ligada a uma onda social, cada vez mais observada nas sociedades modernas, que é o de ter a liberdade de escolher o que querer e o que fazer. O cidadão do mundo atual quer, cada vez mais, asas para voar. Daí, na prática médica, o paciente querer saber porque fazer, como vai ser feito, quando não, o “por que que aconteceu a doença?” ou o mal clínico.
            O médico tem hoje um grande concorrente que é o jocosamente apelidado “doutor google”, somado a serviços de consultas online (pagas, hein?) que mais parecem uma picaretagem de nível não classificável. Esquece-se que o profissional médico leva de 10 a 12 anos para sê-lo em bom nível. No entanto, o cidadão se informa em áreas da internet e acha-se apto a discutir uma condição clínica ou conduta médico/cirúrgica.
            O senso de liberdade, natural e mais aguçado no Homem moderno, é, então, um traço que o imprime a robustecer seu poder de autonomia. Assim como, conduzirá as decisões tomadas pelo profissional, deverem ser cada vez mais compartilhadas com o paciente e/ou sua família. É uma trilha interessante: querer ser livre para escolher, achando que sabe de tudo, querendo opinar (compartilhar) sobre a conduta a ser tomada pelo profissional (que também tem sua autonomia).
            Isso veio incrementar tremendamente a responsabilidade do médico de hoje, mormente, nas atividades cirúrgicas ou instrumentadas.
            E o outro lado da autonomia: a do médico?  Se muito antigamente ele tinha total domínio dessa relação biunívoca (médico/paciente), lastreada numa confiança sagrada, herdada da tradição Hipocrática de serem verdadeiros semideuses, isso já não existe mais. Pelo menos, na intensidade dos antigos tempos. Apesar de haver certo respeito ao profissional, ele já não tem “carta branca” para decidir sem ser constantemente cobrado. Entretanto, não deixa de ter reservada, ética e bioeticamente, a sua autonomia para exercer a profissão.
            Outra grave questão, que tenderá a ser gravíssima em futuro próximo, é o nível de formação e a qualidade do profissional da Medicina. Para se calcular, basta imaginar que há 50 anos existiam no Brasil 26 a 30 escolas médicas, passando de cento e poucas há 1 ano e, hoje, já se contabilizando mais de 300 faculdades de medicina.
Sem quórum de Mestres suficientes, não é difícil imaginar que a qualidade, lamentavelmente, irá deteriorar, mercê da irresponsabilidade dos últimos 15 anos do Governo Federal.
E, agora, a questão mais preocupante: vamos estar assistindo pacientes cobrando soluções, dentro do seu perfil de autonomia como ficou desenhado, buscando compartilhar decisão de conduta com profissionais de níveis inferiorizados e submetidos a uma pressão de cobrança cada vez maior.
Daí começam já surgirem exemplos em ambientes de alto nível de serviços. A Folha de S. Paulo, na edição de 26 de Dezembro, traz matéria que espelha algo relacionado a isso.
O novo presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, Dr. Sidney Klajner, que é um gastro cirurgião de 48 anos, tecnicamente bem qualificado, vai mudar o sistema de decisões de condutas dos profissionais no hospital. Por especialistas que sejam, as decisões de condutas terão que ser compartilhadas por equipe de médicos, antes que tomadas individualmente pelo executor.
Por que razão? Dentre várias, uma é o encarecimento do custo hospitalar que ora acontece, motivado por condutas que se seguem com complicações gerando reinternações, re-intervenções e agravamentos, difíceis (e caros) de serem controlados. Isso num meio que envolve mais de 8.000 médicos lá cadastrados, apesar do gabarito da instituição, cujo controle da qualidade profissional é refinado, mas já se torna dificultado.
Propõe Dr. Klajner usar de uma ferramenta moderna de compartilhamento de decisões de conduta, que é a Medicina Baseada em Evidência, que estaria, então, a serviço não só de satisfazer, devidamente, ao paciente/família, como também da Instituição prestadora dos serviços, junto aos seus profissionais atuando, assim, de forma colegiada nas decisões.
       É um exemplo que parte de onde jamais fosse possível imaginar, mercê do gabarito institucional alcançado pelo Hospital I. Albert Einstein. Aliás, é uma atitude responsável, corajosa e exemplar para o resto do país, onde se imagina o que pode estar acontecendo em função da degradação dos recursos aplicados em nossa saúde pública. Sem lembrarmos que estão por aí médicos cubanos e outros, com barreiras de relacionamento que vão além da linguística, usos e costumes.
Enfim, continuará tendo importância a Autonomia como princípio bioético aplicável? É claro que sim. Trata-se de uma conquista da civilização. Somente que será um atributo a ser fiscalizado na atuação do profissional da Medicina, como tem sido “balisado” ou até freado nas exageradas exigências do cidadão/paciente. Sinal dos tempos: mescla de gerações BB (Baby Boomer), X, Y, e Z convivendo e se entendendo (ou procurando se entender).
Vale meditar sobre essa preocupação em rota, observando que, caracteristicamente, isso tem um evoluir quieto, silencioso e bastante perigoso.

Dr. Fauze José Daher
Gastro-vídeo-cirurgião da Santa Casa de Barretos
Mestre em Cirurgia pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP)
Advogado – OAB(SP)

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